TST reconhece e limita o uso de geolocalização em ações trabalhistas
Ana Luiza Cabral – Advogada do Urbano Vitalino Advogados
Órgãos colegiados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceram, em duas recentes decisões, a validade da utilização de dados de geolocalização para comprovar jornada de trabalho, sem violação à privacidade assegurada pela Constituição Federal e à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A primeira decisão foi proferida pela Subseção II Especializada em Dissídios individuais (SDI-2). O processo envolve um propagandista-vendedor cuja rotina era monitorada em tempo real por GPS em tablet fornecido pela empresa. Na ação é alegado que a parte obreira trabalhava em média 11 horas por dia, além de cerca de duas horas diárias realizando atividades burocráticas.
Ao instruir o caso, a Vara do Trabalho de Santo Ângelo (RS) determinou o envio de ofícios a duas operadoras para que fornecessem dados de geolocalização referentes aos números telefônicos particular e profissional do vendedor.
O trabalhador impetrou Mandado de Segurança, sustentando violação da intimidade. O TRT da 4ª Região acolheu o pedido, sob o fundamento de que a medida seria desproporcional, já que a jornada poderia ser comprovada por outros meios, sem acesso aos seus dados pessoais. A empresa, então, recorreu ao TST.
Ao recorrer, a empresa obteve êxito no TST.
O relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues, destacou que: (I) A geolocalização constitui prova digital válida e precisa, especialmente com relação a aqueles que desenvolvem atividades externas; (II) O processo não pode ignorar a evolução tecnológica; (III) O direito à prova deve ser compatibilizado com a proteção de dados.
No que se refere a garantia a privacidade, o relator observou que o direito à prova de geolocalização pode ser exercido sem sacrificar a proteção de dados.
“(…) Basta que sejam solicitadas informações estritamente necessárias e que elas fiquem, por determinação do juiz, disponíveis apenas para as partes do processo”, avaliou. “Não há necessidade nem interesse de averiguar e fazer referências aos locais visitados fora do ambiente de trabalho.”
O ministro enfatizou, ainda, que tanto a LGPD quanto o Marco Civil da Internet permitem o tratamento e fornecimento de dados quando necessários ao exercício regular de direitos.
Embora tenha reconhecido a validade da geolocalização como meio de prova, o ministro esclarece que a Vara do Trabalho não delimitou a medida de forma adequada. Assim ao decidir, o colegiado restringiu a prova aos horários e trabalho indicados pelo trabalhador e ao período firmado no contrato de trabalho. Determinou ainda o sigilo das informações obtidas.
A segunda decisão, trata-se de julgado pela 5ª turma do TST que autorizou o uso da geolocalização para verificar as horas extras de funcionária bancária. O pedido havia sido negado nas instâncias anteriores.
No recurso ao TST, o banco fundamentou que vem sofrendo condenações ao pagamento de horas extras e, muitas vezes, não há como fazer a contraprova. Assim, sustentou que o uso da geolocalização como prova contribuiria para a celeridade processual e para um julgamento mais justo.
Ao analisar o recurso, o TST aplicou os mesmos fundamentos do julgamento da SDI-2 e reconheceu: (I) A importância da prova digital para assegurar julgamento justo e celeridade processual; (II) A possibilidade de requisição da geolocalização, limitada aos períodos indicados pelas partes
Por unanimidade, o colegiado determinou a nulidade dos atos processuais praticados após o indeferimento da prova, com retorno do processo ao 1º grau para reabertura da instrução.
As decisões indicam para uma tendência atual do TST de admitir o uso de dados de geolocalização para apuração de horas extras e controle de jornada, desde que observados rigorosamente os limites de privacidade e o princípio da minimização de dados.
Esse entendimento fortalece os meios probatórios das empresas em demandas trabalhistas, especialmente para empregados externos, trabalhadores sem controle de ponto tradicional ou gestores que não se submetem a controle de jornada.
Processos 23369-84.2023.5.04.0000 e 0010538-78.2023.5.03.0049