Efetividade do compliance corporativo afasta indenização por danos morais
Ana Luiza Cabral – Advogada do Urbano Vitalino Advogados
A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (Pernambuco) confirmou a improcedência do pedido de indenização por danos morais decorrentes de alegações de discriminação sexual e assédio sexual, reconhecendo a validade da atuação preventiva da empresa por meio de medidas efetivas de compliance e integridade.
No caso concreto, a reclamante alegou ter sido alvo de discriminação e transfobia praticadas por colega de trabalho, em razão de sua identidade de gênero, sustentando que a empregadora teria se omitido diante das condutas abusivas.
Aduziu, ainda, ter sofrido comentários depreciativos e preconceituosos relacionados à sua condição de mulher trans. Afirmou que, ao reportar tais situações à sua gestora, foi informada de que não haveria providências a tomar, porque os fatos teriam sido levados ao seu conhecimento apenas por terceiros.
A autora relatou também episódio envolvendo colega com quem mantinha conversas em redes sociais (WhatsApp e Instagram), no qual ele teria feito questionamento de conotação sexual, causando-lhe constrangimento. Mais uma vez, teria buscado a intervenção da gestão, sem resposta efetiva.
Com base nesses fatos, pleiteou a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 500.000,00.
Em sua defesa, a empresa destacou que a reclamante foi contratada já na condição de mulher trans, com documentos atualizados, tendo sido plenamente respeitada sua identidade de gênero e nome social. Sustentou que boa parte dos relatos se baseava em informações indiretas, sem comprovação de ocorrência no ambiente de trabalho, além de esclarecer que possui canal de ouvidoria apto a receber denúncias, inclusive anônimas, sem qualquer registro envolvendo a autora.
Da análise do conjunto probatório, verificou-se que a testemunha indicada pela reclamante mencionou apenas dois episódios isolados, ocorridos no horário de almoço, sem correlação com a prática discriminatória ampla narrada na inicial.
A testemunha da empresa, por sua vez, confirmou que a reclamante relatou episódio envolvendo conteúdo sexual em redes sociais, ocasião em que houve acolhimento imediato, com orientação de medidas protetivas (bloqueio do interlocutor) e acompanhamento pelo setor de RH. Ressaltou ainda que tal situação se deu fora do ambiente de trabalho e que não houve novas comunicações da autora sobre o assunto.
A Turma julgadora registrou a incidência do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ (Resolução nº 492/2023), enfatizando que sua aplicação não assegura êxito automático à vítima, mas exige tratamento probatório adequado, com atenção às vulnerabilidades sociais.
Foi considerado incontroverso que as interações de cunho sexual ocorreram em canais particulares e de forma voluntária, fora da jornada de trabalho.
A decisão enfatizou que denúncias de discriminação e assédio sexual devem ser avaliadas com sensibilidade e firmeza, dada sua gravidade, mas também com prudência e rigor, evitando condenações sem suporte probatório mínimo, as quais podem gerar injustiças e comprometer iniciativas legítimas de proteção à diversidade.
As provas colhidas confirmaram que a empresa mantém robusto programa de compliance trabalhista, aliado a políticas de integridade e inclusão, demonstradas por ações concretas como:
- contratação da autora com respeito à identidade de gênero;
- uso de nome social em crachá;
- liberdade de utilização de banheiro conforme identidade de gênero;
- práticas internas voltadas à população LGBTQIA+.
A Turma ressaltou que o compliance trabalhista tem foco na conformidade legal, mitigação de riscos e responsabilização de desvios, enquanto as medidas de integridade reforçam valores éticos e cultura organizacional inclusiva, conceitos distintos, porém complementares.
Assim, ficou evidenciado que a empresa adotava medidas preventivas, canais de denúncia eficazes e práticas de diversidade reais e efetivas, afastando a alegação de omissão patronal.
Diante disso, o colegiado deu provimento ao recurso ordinário da reclamada para excluir da condenação a indenização por danos morais, julgando totalmente improcedentes os pedidos iniciais.
A decisão reforça a relevância de programas efetivos de compliance e integridade nas relações de trabalho, não apenas como instrumentos de prevenção de riscos jurídicos, mas também como mecanismos essenciais de promoção de ambientes profissionais seguros, inclusivos e alinhados ao respeito à diversidade. A existência e a efetividade dessas práticas foram determinantes para demonstrar o compromisso da empresa e afastar a responsabilização por omissão.
Fonte: TRT6 – ROT 0000896-98.2024.5.06.0102
Relatoria de CARMEN LUCIA VIEIRA DO NASCIMENTO
Primeira Turma
Julgado em 30/07/2025