Até onde as Operadoras de Plano de Saúde (OPS) estão obrigadas a custear tratamentos sem eficácia científica comprovada e alto custo em Clínicas de emagrecimento no Brasil?

O debate que gera crescentes demandas junto ao poder judiciário é o que envolve o tratamento para obesidade em clínicas de emagrecimento com características de SPA e o alto custo às Operadoras de Planos de Saúde (OPS).

Antes de adentrar ao mérito da discussão, é importante destacar que a Obesidade é uma doença que, como diversas outras, possui níveis de gravidade e diversos tratamentos para seu controle.

A Agência Nacional de Saúde (ANS) preconiza para o tratamento da obesidade um estilo de vida com hábitos saudáveis e/ou em conjunto com medicamentos, quando necessário. Ultrapassadas as possibilidades de sucesso, é indicada a cirurgia bariátrica ou de redução de estômago nos ditames previstos no ROL, devendo ser observados: peso, idade, tempo do quadro clínico e comprovação de outros tratamentos.

A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica, em 2016 elaborou manual contendo as diretrizes para o tratamento da obesidade e destaca-se que nele não contém a internação em clínica de emagrecimento como forma de tratamento. 

Em análise às ações distribuídas no âmbito dos Tribunais brasileiros vê-se não só a busca pelo custeio em clínicas de emagrecimento, como há requerimentos para locais específicos de alto custo e que fornecem atividades lúdicas como meio clínico para os quadros de obesidade. 

Ressalte-se que o custeio dessas internações soma valores acima de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais), configurando desarrazoada onerosidade às Operadoras e à relação contratual firmada; e o mais importante, não possuem qualquer comprovação científica de eficácia.

Neste diapasão, insta destacar os enunciados 21 e 26 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que orienta os julgadores no seguinte sentido:

ENUNCIADO Nº 21 Nos contratos celebrados ou adaptados na forma da Lei nº 9.656/98, considera-se o rol de procedimentos como referência mínima para cobertura, conforme regulamentações da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, ressalvadas as coberturas adicionais contratadas. (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde – 18.03.2019)

ENUNCIADO Nº 26 É lícita a exclusão de cobertura de produto, tecnologia e medicamento importado não nacionalizado, bem como tratamento clínico ou cirúrgico experimental (Tema 990/STJ). (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde – 18.03.2019)

Pois bem, o que se vê é a forçosa autorização para o custeio por parte das Operadoras de Planos de Saúde para experimentos impotentes e que ainda desgastam a relação entre contratante e a contratada.

Em recente decisão publicada em 01/08/2022, a Juíza Ana Cláudia Silva Mesquita da 3ª Vara da Relação de Consumo do Tribunal de Justiça da Bahia, proferiu decisão relativa ao tema onde abordou pontos norteadores para futuros julgados.

A magistrada ressaltou a ponderação de interesses na relação contratual considerando os limites da mesma, posto que o contrato é pactuado de maneira que as operadoras de planos de saúde forneçam o necessário ao beneficiário desde que seja dentro de sua rede credenciada em contrapartida ao recebimento de uma mensalidade. Estando qualquer abrangência externa fora de suas obrigações como contratada.

Nos autos bem fundamentados que deram vida a esse artigo, a Douta Julgadora levanta a necessidade de comprovação de tratamento prévio para o combate à obesidade seja por meio de dietas, exercícios físicos, acompanhamento psicológico, seguindo detidamente a orientação da agência reguladora, ANS. 

Ainda, segue em sua fundamentação afirmando que:

A ANS reconhece o direito do portador de obesidade médica poder realizar tratamentos cirúrgicos para curar-se da referida doença e chegou a autorizar o internamento dos portadores de obesidade em clínica de emagrecimento pela Resolução 167 da ANS do ano de 2007, entretanto, esse tipo de procedimento foi retirado da resolução em 20.03.2008, ou seja, o internamento pretendido pelo autor não está autorizado pelo órgão de controle e foi excluído de forma expressa. 

Este Juízo tem o entendimento de que quando o tratamento solicitado por profissional médico não está previsto na lista da ANS é possível ao Judiciário determinar que o plano arque com os custos necessários para garantir a vida do beneficiário e constato que quase sempre a Agência Reguladora, com o passar do tempo, acaba incluindo a maioria desses tratamentos em seu rol, o que torna obrigatória a cobertura dos mesmos, entretanto, nos casos de internamento em clínica de emagrecimento, vem negando o pedido, porque, embora essa seja uma ação recorrente no Judiciário Baiano desde o ano de 2008, até hoje a ANS não incluiu esse procedimento em sua lista, que já foi atualizada nesse ano de 2022.

Como a clínica, em que foi requerida a internação da requerente, possui características reais de SPA, que, inclusive, divulga, em suas propagandas pela internet, os benefícios do seu ambiente aprazível e luxuoso, distancia-se por completo do objetivo do contrato e das obrigações para tratamento de saúde

Insta esposar que a ANS revisita seu rol de procedimentos com constância a fim de acrescentar novos procedimentos, tratamentos, medicamentos e tudo o mais que se fizer necessário de acordo com estudos e pesquisas científicas, ponderando a necessidade da sociedade. Porém, desde o ano de 2008 não incluiu o referido tratamento em debate, o que corrobora o entendimento pela sua desnecessidade.

Ainda, o alto valor dispendido traz consigo o risco de falência das operadoras, uma vez que para o tratamento de um beneficiário arrisca-se a prestação de serviços aos demais usuários do plano. 

Como bem pontua a magistrada, “Registre-se, ainda, que o tratamento solicitado tem alto custo para os planos e a obrigatoriedade de um serviço não previsto no contrato, nem no rol da ANS, pode fragilizar a vida financeira dos planos de saúde, impactando a vida de outros consumidores que no futuro podem ser prejudicados com a quebra da empresa, tal como já aconteceu com a Unimed Salvador, Unimed Paulistana, dentre outras”.

Consoante explanado, é preciso ainda ressaltar a nova realidade do ROL ANS e sua taxatividade que possui o condão de preservar os direitos dos usuários dos planos de saúde sendo estes procedimentos com eficácia comprovada à luz da medicina baseada em evidências.

Como bem se sabe, recentemente a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na votação pela taxatividade do ROL ANS definiu as seguintes teses:

1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2.  A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

Todavia, o que se vê é a insistência e o uso de mecanismos para forçosamente driblar o ROL, bem como ferem o princípio da harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo (artigo 4º, III do CDC), uma vez que se espera boa-fé e equilíbrio não apenas dos fornecedores, mas, também, dos consumidores, resultando em postura prejudicial a coletividade e impactante para um bom final. Além disso, tal insistência vai de encontro aos entendimentos anteriores e posteriores ao recente precedente do STJ e fazem com que o Judiciário erroneamente conceda tratamentos para satisfazer interesses pessoais desprovidos de sustentação clínica e que podem levar a extinção de diversas operadoras de planos de saúde no Brasil.

Por Olga Boumann, advogada do escritório.

Fontes: