Liminar do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco sobre a obrigação de condomínios na coleta de dados de moradores e empregados domésticos

Introdução

A Superintendência Regional do Trabalho iniciou desde 04 de Junho de 2024 uma operação de Fiscalização nos condomínios da Capital Pernambucana, sob o argumento de combater irrregularidades trabalhistas e garantir a proteção de empregados domésticos. A fiscalização teve como alvo os moradores na condição de empregadores e tomadores de serviços de diaristas, e não os próprios condomínios na mesma situação.

Os fiscais exigiram informações sobre empregados registrados e diaristas, evidências sobre o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, com o fim de identificar a ausência de vínculo empregatício, irregularidades nas jornadas de trabalho e exposições a riscos ocupacionais.

Foram lavradas notificações para cerca de 7.000 condomínios. Constou em cada notificação que os moradores deveriam apresentar, até 22/07/2024, uma planilha eletrônica contendo os “dados atuais dos moradores de cada unidade habitacional e de seus respectivos trabalhadores domésticos”. Constou, ainda, expressa advertência de que a decisão da administração de cada edifício, em não fornecer os dados solicitados, poderia acarretar a lavratura de auto de infração

Na última quinta-feira (18/07/2024), o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região concedeu liminar para suspender a notificação administrativa da Fiscalização, que impunha aos condomínios à obrigação de fornecer dados pessoais dos moradores e empregados domésticos. Esta decisão tem implicações significativas para o protocolo de fiscalização do trabalho doméstico, a gestão condominial e para à atuação das empresas na administração de imóveis residenciais e comerciais.

Decisão judicial e seus fundamentos

A decisão judicial foi prolatada nos autos do Mandado de Segurança Coletivo impetrado pelo Sindicato das Empresas de Compra e Venda, Locação, Administração de Imóveis em Edifícios Condominiais Residenciais e Comerciais no Estado de Pernambuco (SECOVI-PE).  A entidade questionou a legalidade da notificação expedida pela Superintendência Regional do Trabalho – SRT, que exigia a apresentação de uma planilha eletrônica com dados atualizados dos moradores de cada unidade habitacional e de seus respectivos trabalhadores domésticos.

O desembargador relator, Dr. Fernando Cabral de Andrade Filho, deferiu o pedido liminar com base em dois principais fundamentos: i) ausência de respaldo legal para a exigência imposta; ii) potencial violação dos direitos individuais dos moradores e seus empregados, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Argumentos chaves da decisão:

Falta de base legal

O juiz apontou que os condomínios não se enquadram nas categorias de ‘empregadores’, ‘tomadores’ ou ‘intermediadores’ de serviços previstos no Decreto nº 4.552/2002. Assim, concluiu que a obrigação de coletar e fornecer dados dos trabalhadores domésticos não encontra suporte na legislação vigente

Princípio da legalidade

O Desembargador destacou, ainda, que a imposição de obrigações não previstas em lei viola o princípio da legalidade, garantido pela Constituição Federal. “Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei” (art. 5º, II da CF).

Proteção de dados pessoais

A decisão do TRT da 6ª Região destacou a importância de proteger os dados pessoais dos moradores e condominos, Lei nº 13.709/2018 (LGPD). A exigência de coleta e compartilhamento de dados pessoais, sem o consentimento dos indivíduos envolvidos, poderia resultar em uma violação dos seus direitos, ao expor os condomínios a possíveis responsabilizações civis.

Outras decisões e artigos abordam a mesma preocupação, e enfatizam que os condomínios precisam adotar medidas de segurança para proteger os dados pessoais e evitar vazamentos ou uso indevido. Isso inclui a implementação de políticas de privacidade claras, controle de acesso restrito e treinamentos regulares para funcionários e moradores sobre a importância da proteção de dados (Jus Navigandi, 2023) .

A LGPD aplica-se a todos os agentes de tratamento de dados, inclusive condomínios, que são considerados agentes de tratamento de pequena porte. Esses condomínios devem garantir que a coleta e o tratamento dos dados pessoais sejam feitos em conformidade com as bases legais determinadas pela LGPD, para garantir a proteção dos dados e a privacidade dos moradores, empregados e visitantes (Migalhas, 2022).

Protocolo de fiscalização do trabalho doméstico

Pontuou que a fiscalização do trabalho doméstico possui regulamentação específica (Lei nº 10.593/2002, Art. 11-A, c/c o art. 106 da Instrução Normativa MTP nº 02 /2021), que prevê a necessidade de consentimento prévio do empregador doméstico para qualquer inspeção.

Para o Desembargador, o ato impugnado desconsiderava essas disposições legais, ao buscar uma alternativa indireta para obter informações, por meio dos condomínios, e driblar as normas que especificamente regulamentam a fiscalização do trabalho doméstico.

Conclusão

A liminar concedida pelo TRT da 6ª Região representa um marco importante a respeito do protocolo de fiscalização do trabalho doméstico, ao enfatizar a regulamentação específica para pratica do ato pela Fiscalização do Trabalho, a qual prevê a necessidade de consentimento prévio do empregador doméstico para qualquer inspeção trabalhista.

Também destaca a importância da gestão condominial e administradores dos imóveis residenciais e comerciais de proteger os dados pessoais dos moradores e condominos em conformidade com a Lei nº 13.709/2018 (LGPD).

Por Carla Ferreira
Sócia da área Trabalhista do Urbano Vitalino Advogados
Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE

Fontes: Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região. (2024) – Clique AQUI
Jus Navigandi – Clique AQUI