Marco Legal das Startups – Uma visão em poucas linhas
INTRODUÇÃO
O Marco Legal das Startups foi sancionado em primeiro de junho de 2021 e suas alterações foram calorosamente recepcionadas pelos empreendedores e investidores justamente por promover maior segurança jurídica para esses grupos. Sua intenção, a partir da leitura dos primeiros artigos, é promover um mercado mais favorável à ascensão de empresas com propostas inovadoras, reconhecer o empreendedorismo como vetor de desenvolvimento social e econômico e fomentar, através de incentivos para particulares e facilidades para o serviço público, a inovação e modernização do ambiente de negócios brasileiro.
Atualmente com mais de 13 mil startups, o Brasil nos últimos anos observou um crescimento enorme na modalidade visto que em 2011 a fundação da Abstartups contabilizou apenas 600 negócios. Apesar de outros países como os EUA já possuírem legislações que tratam do fomento à inovação há mais de 130 anos, o Brasil já se encontra entre os 10 países com mais unicórnios (startups que valem mais de 1 bilhão de dólares).
Enquanto vemos o mercado de startups aquecido por diversas condições econômicas como a queda da rentabilidade da renda fixa, constatamos que frente ao poderio econômico brasileiro ainda há muito o que ser feito do ponto de vista legislativo e estrutural para fomento à inovação. Um indicativo desta conclusão é o Índice Global de Inovação (IGI) – que avalia as condições de um país para inovar, índice este que aponta que o Brasil ainda está em 62º lugar no ranking global.
Em relação ao restante do mundo, que segundo Relatório do Banco Mundial, registrava, apenas no setor de mais de fintechs, mais 60 sanboxes em 2019, o Brasil avança de forma tardia. Ainda assim, é inegável que a mudança é consistente e possui altas chances de prosperar devido à alta aceitação do Marco Legal e necessidade do mercado em saber quais as regras aplicáveis às empresas inovadoras.
QUEM SE ENQUADRA COMO STARTUP?
São as instituições nascentes ou em operação recente que se diferenciam pela inovação aplicada ao negócio (seja no modelo de negócio, nos produtos ou serviços), podendo ser Empresários individuais, EIRELI, Sociedades Limitadas, Sociedades Anônimas, Cooperativas e Sociedades Simples desde que obrigatoriamente tenham:
- Até 10 anos de constituição;
- Receita bruta de até R$ 16 milhões no ano-calendário anterior, independentemente da forma societária adotada
Além da necessidade de assinalar ao menos um dos requisitos alternativos, que são:
- Declaração, no ato societário constitutivo ou alterador, da utilização de modelos de negócios inovadores para geração de produtos ou serviços; ou
- Estar enquadrada no regime especial Inova Simples, o programa de estímulo a startups do governo brasileiro.
A concepção do Marco Legal das Startups busca ancorar a segurança jurídica para proporcionar um terreno fértil às inovações provenientes de empresas novas e focadas em inovação, sendo assim, a legislação dispõe sobre quais os princípios que devem nortear o regramento sobre a matéria, como:
- O reconhecimento do empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento;
- A importância das empresas como agentes centrais do impulso inovador em contexto de livre mercado;
- A Modernização do ambiente de negócios brasileiro, à luz dos modelos de negócios emergentes;
- Fomento ao empreendedorismo inovador como meio de promoção da produtividade e da competitividade da economia brasileira e de geração de postos de trabalho qualificados;
- Promoção da cooperação e da interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas.
- Incentivo à contratação, pela administração pública de soluções inovadoras
DOS INVESTIMENTOS EM INOVAÇÃO E P&D
Uma das maiores inovações trazidas no marco legal é a possibilidade de que os investimentos em inovação que forem decorrentes de obrigações regulatórias poderão ser realizados através de aportes em startups, que, em conjunto com a facilitação do acesso ao mercado de capitais para companhia de menor porte, pode possibilitar o aumento na procura por tais investimentos através das modalidades definidas em lei, quais sejam:
- Fundos patrimoniais destinados à inovação;
- Fundos de Investimento em Participações (FIP);
- Programas de financiamento e aceleração de startups gerenciados por instituições públicas.
Ainda, o FIP, fundo patrimonial ou a instituição pública que receber recursos deverá emitir certificado para as empresas comprovarem o cumprimento das obrigações legais ou contratuais de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
No caminho da facilitar a inovação, o marco legal também estabeleceu que o portal REDESIM deverá ter um espaço para direcionar o usuário ao INPI para que seja facilitado o registro da propriedade industrial produzida pela startup, de forma que as entidades participantes do Inova Simples terão prioridade no exame de marcas e patentes, garantindo assim maior agilidade e simplificação no processo de registro.
SANDBOX REGULATÓRIO
Em uma economia de mercado, mudança e inovação são processos contínuos e generalizados que decorrem das decisões de cada empresa – através de contratos, melhoria da gestão, avanços na tecnologia dos produtos, etc. Ocorre que, por vezes, é necessário haver uma ruptura com os modelos clássicos, haja vista não atenderem mais às necessidades e expectativas desse mercado dinâmico. Diante disso, há três posturas mais naturalmente adotadas pelo Estado: ou se proíbe a mudança baseando-se na incerteza da experimentação; ou se criam alternativas para que os participantes do mercado possam vivê-lo de forma segura; ou se permanece inerte e apenas reage quando as contingências se tornam reais e começam a impactar um volume massivo de consumidores.
O Brasil, com sua tradição de criar alternativas híbridas, cumulou as duas últimas perspectivas ao criar, por meio do Marco Legal das Startups, um Ambiente Regulatório Experimental – Sandbox Regulatório, em que a premissa é garantir que as empresas insurgentes com caráter inovador vivenciem um ambiente mais flexível do que o relegado àquelas empresas já consolidadas. O Sandbox Regulatório é uma experiência que prosperou em outros países e é considerado uma solução adequada ao contexto do País, cabendo a recordação de que ela não é um fim em si mesma e sim o início de várias políticas a serem tomadas com o intuito de permitir o desenvolvimento dessas novas modalidades de negócios.
Existem diversas abordagens para a implementação do Sandbox, mas, em geral, os parâmetros são definidos caso a caso, entre as empresas e o órgão regulador, considerando as peculiaridades do negócio. Nesse momento inicial, é importante compreender o conceito prático desse sistema. A startup, no início de sua vida, busca promover a experimentação de modelos de negócios e produtos escaláveis que ainda são muito recentes para se ter certeza de sua eficácia. Esse teste, para ser viável, comumente precisa de altos investimentos, sendo uma operação arriscada para todos que participam e, para incentivar o crescimento econômico, tecnológico e científico, o Estado pode retirar óbices regulatórios que dificultem a execução do plano da empresa, notadamente nesta fase experimental.
A medida pode promover uma abordagem específica para cada empresa, baseada nos riscos da proposta, e possibilitar que órgãos supervisores e reguladores permitam que testes da tecnologia/produto ocorram sob uma perspectiva regulatória mais flexível e que, a depender dos resultados, poderá acarretar uma adaptação da regulação à demanda do mercado.
No caso brasileiro, o Marco Legal foi discreto em sugerir soluções, deixando um conceito aberto para que as entidades da Administração Pública possam proceder livremente. Resta descobrir se esses órgãos terão a técnica e a imaginação necessária para propor alternativas arrojadas. As possibilidades são muitas, como por exemplo, uma orientação nova para interpretar normas e regulamentos, compromisso de não realização de ações coercitivas durante a concessão do Sandbox, concessões de autorizações temporárias com menos burocracia, isenção do cumprimento de normas, etc.
Um dos pioneiros na criação de ambientes regulatórios flexíveis foi o Reino Unido que entendeu que o excesso de regulamentação afastava muitos empreendedores do mercado e desenvolveu um projeto com três pilares: laboratórios de inovação, unidades especializadas em assessoria empresarial e sandboxes regulatórios. Tudo isso organizado pela Financial Conduct Authority (FCA) que assessora as entidades na interpretação da legislação aplicável e facilita os processos burocráticos.
Na instituição dos sandboxes, que é feita em caráter personalizado e individual após a passagem do empreendedor pelo laboratório de inovação e pela assessoria empresarial, há definição de critérios como solicitação comprovando que a tecnologia é inédita no Reino Unido, que trará benefícios para os consumidores britânicos e o alto investimento já realizado. Para os empreendedores, significa a diminuição da incerteza em relação às normas e ainda contam com a assessoria da FCA desde que sigam os parâmetros pré-estabelecidos. O sucesso dessa medida foi tão proveitoso que se tornou exemplo mundial e está sendo seguido por diversos países, pois permite a gerência e controle de forma eficiente e planejada.
As realidades britânicas e brasileiras não são comparáveis, mas ainda é possível colher inspirações para o sucesso do ambiente experimental no Brasil.
MUDANÇAS NA LEI DAS SA
O Marco Legal das Startups também cuidou de dinamizar a Lei das Sociedades Anônimas, as quais passarão a poder operar com apenas um diretor (quando antes exigia-se um mínimo de dois). Além disso, a regra do art. 294 agora permite que sociedades anônimas de capital fechado, com faturamento anual de até 78 milhões de reais, tenham suas publicações obrigatórias realizadas por meio digital. Da mesma maneira, também poderão utilizar livros societários inteiramente eletrônicos, possibilitando a digitalização desses registros. Com a ressalva de que todos os livros ainda precisam ser autenticados nas Juntas Comerciais, as quais já vêm com um processo de modernização acentuado. A disciplina sobre os temas anteriores ficou a cargo do Ministério da Economia.
A Comissão de Valores Mobiliários – CVM, por sua vez, será responsável por criar regulamentos que facilitem o ingresso de pequenas companhias ao mercado de capitais, aqui consideradas as que auferem receita bruta anual de até 500 milhões de reais. Essa facilitação poderá versar sobre a dispensa ou remodelação da presença do conselho fiscal, da obrigatoriedade de intermediação de instituições financeiras no processo de abertura de capital, da participação dos acionistas nos lucros sociais e o direito dos preferencialistas ao voto após 3 anos sem pagamento de dividendos. A CVM também poderá estabelecer a forma de atualização do valor de 500 milhões de reais atribuído às pequenas companhias, além de outros critérios que julgar necessários para a concessão e manutenção das condições facilitadoras, tal como o acompanhamento da empresa até o momento em que ela passe a ser considerada de médio ou grande porte.
As alterações realizadas na Lei das SA diminuem o custo da manutenção das companhias anônimas, podendo acarretar uma mudança no perfil do empreendedor brasileiro, que utiliza, em sua maioria, a sociedade limitada para executar seus projetos. Isso ocorria por conta da alta complexidade legalmente exigível para a sociedade por ações, o que fazia que muitos não tivessem condições financeiras ou uma corporação organizada o suficiente para atender a todas as normas. A possibilidade de startups se organizarem como sociedades anônimas, sem toda a burocracia que cerca este tipo societário, dá a estas empresas melhores ferramentas de governança e recepção de investimentos.
CONTRATAÇÃO COM PODER PÚBLICO
Um dos temas mais explorados na legislação que institui as startups é possibilidade de o poder publico poder beneficiar-se das empresas inovadoras na solução de problemas apresentados em edital mediante regramento facilitado, o que auxilia o poder público nas demandas que exijam o emprego de tecnologia inovadora e ainda promove o ambiente de inovação aberta através do poder de compra do Estado.
A licitação para as empresas enquadradas como startups obedecerão aos seguintes passos:
1ª FASE:
Num primeiro momento, a Administração Pública irá indicar os problemas a serem resolvidos e quais os resultados são esperados, cabendo aos licitantes propor diferentes meios para resolução do problema.
O edital para licitação será divulgado com ao menos 30 dias de antecedência e as propostas serão avaliadas conforme (i) o potencial de resolução do problema, (ii) a aplicabilidade da solução, (iii) a viabilidade econômica em relação ao recurso disponibilizado e (iv) conforme o comparativo do custo benefício com soluções equivalentes.
Em regra, o pagamento pela solução será realizado após a execução dos trabalhos, no entanto, há a possibilidade de pagamento adiantado desde que previsto em edital.
2ª FASE:
Posteriormente à homologação da licitação é estabelecido o Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI) para regular a relação entre a startup e o Estado, possuindo valor máximo de R$ 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil reais) por contrato e prazo de 12 meses, prorrogável por igual período, cujas cláusulas contemplarão, dentre outros, que:
- Se estabeleçam metas a serem atingidas;
- A definição da titularidade dos direitos de propriedade intelectual das criações resultantes do CPSI; e
- A participação nos resultados de sua exploração, assegurados às partes os direitos de exploração comercial, de licenciamento e de transferência da tecnologia de que são titulares.
3ª FASE:
Decorrido tal período da 2ª fase, poderá haver a 3ª fase da licitação que é o momento no qual o poder público irá celebrar contrato para fornecimento das soluções testadas anteriormente, no entanto, agora o período passa a ser de 24 meses prorrogável por igual período e o limite de recursos é de até 5 vezes o disposto na 2ª fase.
Ademais, foram promovidas outras desburocratizações trazidas pela lei, as quais dispensam:
- A prestação de garantia para a contratação;
- Documentação relativa à habilitação jurídica;
- Documentação relativa à qualificação técnica e econômico-financeira; e
- Documentação relativa à regularidade fiscal, salvo no tocante à seguridade social.
CONCLUSÃO
O Marco Legal das Startups trouxe avanços legislativos que serão sentidos por muitos negócios – não apenas do ramo de inovação – e, se for implementado com eficiência, a tendência é que o ambiente de negócios brasileiro venha a se transformar nos próximos anos, se tornando mais dinâmico e com menos limitações para os que desejem ingressar e permanecer no mercado. Os projetos de fomento, somados ao maior acesso ao mercado de capitais e diminuição do custo da sociedade anônima, irão tornar mais democrática a oferta de crédito e aumentará as chances de os negócios prosperarem, uma vez que, segundo o IBGE, 60% das empresas nacionais fecham após cinco anos de operação.
Contudo é preciso reconhecer que houve ainda timidez do Estado sob determinados aspectos. As flexibilizações não chegaram a permitir que empresas optantes do regime fiscal do Simples se organizassem enquanto Sociedades Anônimas; regras trabalhistas de setores tradicionais poderiam ser flexibilizadas, notadamente quanto a jornada de trabalho e estruturas de contratos de vesting para colaboradores chaves; quesitos voltados a benefícios fiscais também poderiam estar mais presentes, dentre algumas outras propostas que se perderam durante a tramitação do projeto de lei.
É verdade que as críticas e oportunidades de melhoria sempre existirão, todavia não se deve retirar o mérito de uma legislação que foca em promover o ambiente de inovação.
Equipe:
Hermes de Assis
Ingrid Backes
Kilza Cavalcanti
Victor Souza