Novos capítulos de uma antiga novela – A necessidade de regulamentação para o desenvolvimento do setor de Gás Natural no Brasil
Por Luis Fernando Priolli
Sócio da área de Energia, Petróleo e Gás
No final de julho, a ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis decidiu negar provimento ao recurso feito pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo – Arsesp e pela Companhia de Gás de São Paulo – Comgás que pleiteavam a reclassificação do gasoduto denominado “Subida da Serra” de gasoduto de transporte para de distribuição.
A ANP já havia classificado esse gasoduto como sendo de Transporte, porém se buscava o reenquadramento para a gasoduto de Distribuição.
Esse gasoduto trouxe de volta novos capítulos de uma novela que parece não ter fim pois reside na falta de regulamentação do artigo 25, §2º da Constituição Federal, que disciplina que:
“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
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§ 2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.”(*Redação dada pela Emenda Constitucional nº 5, de 1995); (**o sublinhado e o negrito não constam do original)
Esse preceito constitucional reclama uma regulamentação, que até o momento não existe, já que toda a legislação que tratou do tema Gás Natural no Brasil após 1995, ou seja, quase 30 anos, tem tido o cuidado de explicitar que não se destina a regulamentá-lo.
A ausência de regulamentação acaba gerando, por exemplo, questionamentos como o enfrentado em grau de recurso pela ANP semana passada, quanto ao enquadramento correto dos gasodutos, o que acaba impactando adversamente a percepção de potenciais investidores no setor, pois sendo o gás natural uma indústria de rede é preciso que as atividades concorrenciais sejam bem definidas e separadas por infraestruturas, já que estas são tipicamente de monopólio natural, estando a concorrência nos mercados fortemente vinculada ao acesso à tais infraestruturas.
Nesse sentido, o domínio de tais ativos por empresas verticalmente integradas não traz incentivos corretos ao seu compartilhamento com terceiros, o que acaba por limitar a concorrência e consequentemente ao desenvolvimento do setor de gás brasileiro e novos investimentos.
A União Europeia já editou a Diretiva 2009/73/CE que disciplinava a separação das atividades, pois a ampliação da participação de novos agentes passa pelo acesso não discriminatório à infraestrutura, especialmente a de transporte de gás natural. Para tanto, é necessário adequar os incentivos econômicos de modo a promover a transparência, a alocação eficiente de capacidade, a redução dos custos de transação e, por fim, o acesso.
Basta analisar o desenho de mercado de gás de nossos vizinhos, como a Argentina, para perceber que a atividade de transporte do gás natural deve ser segregada das demais sob pena de se restringir o desenvolvimento do mercado.
A falta de clareza quanto as definições legislativas geram conflitos e retraem investimentos, pois é um setor que demanda bastante capital e, portanto, segurança quanto aos respectivos enquadramentos.
O legislador federal precisa, portanto, definir que a “distribuição de gás canalizado”, nos termos do artigo 25, §2º da Constituição Federal, se trata de serviço público e local de movimentação de gás natural canalizado junto aos Usuários Finais e Consumidores Livres, não abarcando, portanto, movimentação de gás para Autoprodutores e Autoimportadores, nos termos do artigo 2º da Lei nº 11.909, de 04 de março de 2009, bem como movimentação de gás natural por meio de gasoduto desde os poços produtores até instalações de processamento e tratamento ou unidades de liquefação.
O sistema de rede de gás natural precisa de regras claras!
A falta de clareza quanto a distinção dos diferentes tipos de gasodutos é que tem afastado o desenvolvimento da malha de gasodutos já que o de transporte é (i) aquele que realiza movimentação de gás natural desde instalações produção até as de tratamento ou processamento, (ii) até instalações de estocagem, (iii) os que levam até pontos de entrega aos concessionários estaduais de distribuição de gás natural e respectivas estações de compressão, de medição, de redução de pressão e pontos de entrega.
A própria celeuma acerca do gasoduto Subida da Serra não existiria se o legislador suprisse a lacuna legislativa existente, possibilitando assim serem bem definidas as características técnicas e operacionais de um duto de transporte, pois um gasoduto de alta pressão de operação e elevado diâmetro, que permite movimentar até 16 milhões de metros cúbicos por dia (MMm³/d) não se pode enquadrar em gasodutos destinados a prestação de serviço local de gás canalizado a usuários finais.