Os Impactos da decisão do STF sobre os limites da coisa julgada

  • O que foi decidido pelo STF

Em recente decisão, o STF julgou dois recursos sobre os limites da coisa julgada em matéria tributária, ou seja, os limites das decisões judiciais definitivas obtidas pelos contribuintes. Os recursos tratam da possibilidade de as decisões favoráveis aos contribuintes sofrerem impactos de orientações posteriores do STF em sentido contrário (que considerem constitucionais e, portanto, devidos os tributos), seja no chamado controle concentrado de constitucionalidade (Tema nº 885 – RE 955.227/BA) ou pelo julgamento de recurso extraordinário, em controle difuso da constitucionalidade, em regime de repercussão geral ou antes dele (Tema nº 881 – RE 949.297/CE). Essa discussão abrange os tributos “de trato continuado” (ou “sucessivo”), ou seja, aqueles cujo recolhimento é realizado de maneira periódica por um mesmo contribuinte (tais como CSLL, PIS, COFINS, ICMS, IPI, IRPJ, etc.).

A tese fixada pelo STF foi de que: “1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.

  • Quem pode ser afetado

Em princípio todos os contribuintes que se utilizem ou tenham se utilizado de decisões com trânsito em julgado favoráveis para deixar de recolher no todo ou em parte algum tributo de trato continuado (corrente), no caso de o STF ter posteriormente decidido em sentido contrário em regime de Repercussão Geral ou Controle Concentrado de Constitucionalidade como as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, por exemplo.

Alguns exemplos de decisões do STF que alteraram entendimentos anteriores e podem gerar impactos são: (a) a inexigibilidade de CSLL; (b) inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS; (c) IPI na revenda de mercadorias importadas; (d) a incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o terço de férias gozadas; e (e) a exigência de COFINS para as sociedades uniprofissionais.

Especificamente quanto à exigência da CSLL, lembramos que a decisão do STF pela constitucionalidade ocorreu em 2007 e, assim, devem ser resguardados interesses dos contribuintes quanto a fatos anteriores a esta data, caso anteriormente fossem beneficiários de coisa julgada em processo individual. De outro lado, a RFB deverá autuar quanto a fatos não decaídos e prosseguir na cobrança, por execução fiscal, daqueles casos em que houve declaração confessando débitos posteriores a 2007.

  • A partir de quando os contribuintes devem passar a observar novas orientações do STF

Embora ainda não publicada a decisão do STF, o marco estabelecido para que os contribuintes passem a recolher os tributos mesmo quando tenham decisões com trânsito em julgado em seu favor é a data de publicação da ata de julgamento da decisão do Supremo em sentido contrário (regime de repercussão geral ou controle concentrado).

Sendo assim, os contribuintes que, nos últimos anos, tenham deixado de recolher tributos com base em decisões com trânsito em julgado a seu favor, estão expostos à exigência em relação ao “passado” a contar da decisão do STF que decidiu em sentido contrário. Essa orientação já está expressa pela PGFN em nota pública divulgada em 10/02/2023*.

  • Repercussões

Apesar de bastante recente e com teor ainda não publicado, a decisão do STF tem gerado grande impacto para os contribuintes. Nesse sentido, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM publicou em 13/02/23 o Ofício Circular CVM/SNS/SEP nº 1/2023, entre outras disposições, aponta que sem prejuízo de cumprimento da Resolução CVM º 44, deverão ser observados os pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC nºs. 24 e 25 quando da elaboração das Demonstrações Contábeis de 31/12/2022, particularmente o item 9, letra ‘a’, do CPC 24, e o item 16, letras ‘a’ e ‘b’, do CPC 25.

Em 14/02/23 foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei – PL nº 512/2023, que propõe o estabelecimento do Programa Especial de Regularização Tributária do Fim da Eficácia da Coisa Julgada – PERT-fim, que permitiria o pagamento dos créditos impactados pela recente decisão do STF de maneira parcelada e com descontos nas multas de mora, isoladas e de ofício, além dos juros de mora. O PL prevê ainda a possibilidade de utilização de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa da CSLL próprios ou de corresponsáveis pelo débito, além de controladoras e controladas. Há, ademais, outras proposições legislativas que já vem sendo apresentadas no sentido de eliminar ou mitigar os efeitos do referido julgamento do STF, como, por exemplo, os PL 508/2023, PLP 23/2023.

  • Algumas sugestões

É recomendável que os contribuintes façam uma varredura em suas apurações para verificar se existe algum risco nesse sentido. Essa avaliação, deve ser feita caso a caso, considerando as teses discutidas, as datas das decisões e formas de seu aproveitamento.

É importante lembrar que o CARF deve reproduzir as decisões do STF em recurso extraordinário repetitivo, razão pela qual os processos administrativos pendentes de julgamento devem ter solução desfavorável aos contribuintes em breve, com a possível manutenção da multa. Assim como é provável que os juízes e desembargadores decidam os processos seguindo a orientação atual do STF.

De igual forma, seguindo as diretrizes fixadas pela CVM, será necessário atentar para eventuais alterações nas demonstrações contábeis de 31/12/2022.

Além disso, parece evidente que as empresas deverão manter-se atentas não só em relação às novas alterações legislativas, mas também às decisões do STF em matéria tributária, sendo recomendável consultas periódicas aos profissionais da área jurídica.

* Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/pgfn-divulga-nota-sobre-julgamento-de-efeitos-da-coisa-julgada-em-materia-tributaria.