Portaria nº 620/2021 do Ministério do Trabalho proíbe a demissão por justa causa ou recusa na admissão de trabalhadores não vacinados contra a Covid-19

Bruna Macário – Advogada do Urbano Vitalino Advogados

No dia 01 de novembro foi publicada a Portaria nº 620/2021, do Ministério do Trabalho e Previdência, estabelecendo algumas regras com a finalidade de configurar algumas práticas como atos discriminatórios nas relações de emprego, principalmente quanto à vacinação contra a Covid-19.

O artigo 1º da referida Portaria dispõe sobre a proibição de prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso ao trabalho ou da sua manutenção por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, dentre outros.

Ainda, o § 1º do artigo acima citado proíbe a exigência de certos documentos para realizar a contratação de qualquer empregado, tais como comprovante de vacinação, certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame, perícia, laudo, atestado ou declaração relativos à esterilização ou a estado de gravidez.

E mais, o § 2º do mesmo artigo segue dispondo ser prática discriminatória a exigência do cartão de vacinação para processos seletivos de admissão de trabalhadores, ou, ainda, a rescisão por justa causa em razão da ausência de apresentação do certificado de vacinação.

Na tentativa de atenuar as disposições contidas no artigo 1º, os artigos seguintes da mesma portaria determinam que o empregador: deve estabelecer e divulgar orientações de prevenção e combate à Covid-19, podendo incentivar os trabalhadores a receberem a vacina dessa doença de acordo com política nacional de vacinação; poderá oferecer aos funcionários testagens periódicas da Covid-19 e, nesse caso, o colaborador é obrigado a realizar a testagem ou apresentar o cartão de vacinação; bem como aplicando-se as normas e orientações do Ministério da Saúde quanto à pandemia.

Ao final, o art. 4º determina que o rompimento do vínculo de emprego por ato discriminatório, nos termos do artigo 1º da referida Portaria, gera direito ao trabalhador ao recebimento de indenização por danos morais e, também, ser reintegrado ao trabalho com ressarcimento do período do afastamento ou recebimento dos salários em dobro do período do afastamento.

Destaque-se que esta Portaria é contrária ao posicionamento do Ministério Público do Trabalho. O MPT nacional criou um “Guia Técnico Interno do MPT sobre vacinação da Covid-19” em janeiro deste ano. No referido documento, o órgão ministerial dispôs sobre as repercussões nas relações de trabalho, concluindo que: “a vacinação, conquanto seja um direito subjetivo dos cidadãos, é também um dever, tendo em vista o caráter transindividual desse direito e as interrelações que os cidadãos desenvolvem na vida em sociedade.”. Esse Guia cita que, persistindo a recusa injustificada e obedecendo-se a gradação legal, poderão ser aplicadas as penalidades previstas pela CLT, dentre elas, a rescisão por justa causa.

Tanto é que em 04 de novembro, apenas três dias após ser publicada a Portaria do MTP ora analisada, o Ministério Público do Trabalhou emanou a Nota Técnica nº 05/2021, instando os empregadores a: proceder com a exigência da comprovação da vacinação como condição de ingresso ao ambiente laboral; fiscalizar e exigir o esquema vacinal dos trabalhadores das empresas contratadas ou terceirizadas, seguindo o cronograma local; mantenham as medidas de prevenção e combate à Covid-19 no ambiente de trabalho; realizem campanhas internas de incentivo à vacinação; antecipem exames médicos para que os funcionários possam receber esclarecimentos sobre a vacinação; resguardem o direito dos trabalhadores à vida e à saúde, mantendo-os seguros de contaminação no ambiente de trabalho por pessoas não vacinadas.

Ademais, o posicionamento da Justiça do Trabalho tem se mostrado contrário ao quanto determinado na Portaria. A exemplo, uma decisão proferida por juízo de primeiro grau do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em maio/2021, validou uma demissão por justa causa de uma funcionária terceirizada que prestava serviços em um Hospital, pois ela se recusou injustificadamente a receber a vacina contra a Covid-19. Tal decisão, inclusive, foi ratificada pelo acórdão de segunda instância daquele tribunal nos autos do processo nº 1000122-24.2021.5.02.0472.

Não bastasse tais embates, tem-se que a Portaria é ilegal, visto que vai em sentido totalmente oposto ao que determina o art. 3º, III, “a”, da Lei nº 13.979/2020, o qual prevê a possibilidade de vacinação compulsória como forma de combate à pandemia.

Ressalte-se, inclusive, que o próprio Supremo Tribunal Federal já entendeu pela constitucionalidade da obrigatoriedade na vacinação, como se depreende do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6586 e 6587, que objetivou justamente avaliar se os dispositivos da Lei nº 13.979/2020 eram ou não inconstitucionais.

Por oportuno, a própria Constituição Federal prevê como direito dos trabalhadores a redução de riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde (art. 7º, XII), portanto, em uma interpretação teleológica do dispositivo constitucional, percebe-se que a norma que impõe ao empregador o impedimento de exigir o cartão de vacinação do empregado fere o direito o próprio constitucional do trabalhador, que poderá laborar em um local inseguro para a sua saúde, pondo a sua vida em risco.

É de se notar que a Portaria nº 620/2021 tem cunho flagrantemente político, haja vista que o Governo Federal visa defender a sua posição pela não obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 e, para tanto, editou o normativo contrário à Lei e à Constituição Federal, proibindo a demissão por justa causa ou recusa da admissão de trabalhadores não vacinados contra a Covid-19, o que certamente será objeto de questionamentos perante o STF.

Por fim, apesar da ilegalidade e inconstitucionalidade da Portaria em questão, tem-se que o seu regramento deve ser seguido enquanto o normativo estiver vigente, evitando-se o ajuizamento de reclamações trabalhistas por funcionários requerendo a reversão da justa causa e pagamento de salários do período do afastamento ou, ainda, dano moral por “perda de uma chance” em razão da não admissão por ausência da apresentação da certidão de vacinação.

Alteração legislativa:

– Portaria MTP nº 620, de 1º de novembro de 2021.

Demais fontes:

– Guia Técnico Interno do MPT sobre vacinação da Covid-19;
– Lei nª 13.979/2020;
– Nota Técnica do GT Covid-19 nª 05/2021, do Ministério Público do Trabalho
– Sentença TRT-2, Proc. 1000122-24.2021.5.02.0472, julgado em 11/05/2021, Juíza Isabela Parelli Haddad Flaitt, 2ª vara do Trabalho de São Caetano do Sul;
– Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6586 e 6587.