Furto de equipamento de trabalho x Desconto salarial

Flávio Roberto de França Santos – Advogado do Urbano Vitalino Advogados

Uma realidade cada vez mais comum tem sido a cessão, por parte das empresas, de equipamentos portáteis aos seus empregados, a exemplo de notebook e celular, para que estes possam desenvolver suas atividades fora do estabelecimento empresarial, principalmente com o aumento das atividades home office em virtude do distanciamento social, recomendado como forma de enfrentamento à pandemia da COVID-19.

Importa, assim, às empresas que cedem equipamentos necessários ao desenvolvimento das atividades do empregado, registrarem tal cessão, ao menos através de declaração em que o empregado ateste o recebimento e a sua ciência quanto à responsabilidade de salvaguardar os bens cedidos pelo seu empregador. Isto por que se houver alguma avaria ou extravio dos equipamentos, a empresa estará documentada acerca da ciência do empregado sobre a sua responsabilidade em relação a estes equipamentos.

Em recente decisão, o juízo da 3ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, mesmo tendo havido revelia da empresa, entendeu em julgar improcedente a reclamação trabalhista (proc. 0000276- 86.2021.5.10.0003) que tinha no rol dos seus pedidos o pleito de devolução de desconto realizado pela empresa, em decorrência de furto de um notebook de propriedade da empregadora, que estava na posse do empregado, que deixou tal equipamento no interior do seu veículo.

Ao julgar esta ação o magistrado assim ponderou:

“(…)
A negligência da reclamante no caso presente é flagrante. Quando se deixa um notebook no interior de um veículo, estacionado ao relento, por toda a noite, assume-se o risco de um furto.
(…)
No caso presente, houve ajuste contratual expresso no contrato de trabalho autorizando o desconto, conforme cláusula 7(documento id 63bfec8), verbis:
(…)
Desse modo, restando demonstrado que o dano sofrido pela empregadora, decorrente do furto do notebook, decorreu de conduta culposa da reclamante, lícito o desconto do valor equivalente realizado por ocasião do acerto rescisório. Dessa forma, indefere-se o pedido de restituição do valor de R$ 4.388,66 descontado no TRCT a título de “Outros descontos (extravio de equipamento)”.

A Consolidação das Leis do Trabalho prevê, em seu § 1º, do artigo 462, a possibilidade de haver desconto do salário do empregado acaso este venha a causar dano ao acervo empresarial, desde que tal possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

No tocante ao acordo prévio, vale destacar que este deverá, por cautela, ser realizado por escrito, podendo estar previsto no contrato de trabalho ou mediante termo aditivo ao contrato de trabalho, através do qual reste devidamente consignada a possibilidade de desconto, nos termos do dispositivo legal sobredito.

Para conferir ainda maior segurança ao empregador, acaso ocorra avaria ou extravio de equipamento, deverá ser formalizada uma autorização para o desconto efetivo, devendo ser respeitado o limite de 30% do salário, pois apesar de não haver uma previsão legal expressa quanto ao percentual, a jurisprudência vem entendendo que se deve aplicar, de forma analógica, a lei 10.820/2003, que estabelece este limite para desconto mensal do salário dos empregados regidos pela CLT.

No caso concreto, que foi objeto da sentença acima referenciada, é de se notar que, para indeferir o pedido de devolução do desconto, o julgador levou em conta não apenas o elemento objetivo, concernente à previsão expressa de concordância do empregado no contrato de trabalho, mas também a subjetividade, ao considerar que o empregado concorreu para o resultado (furto) através de conduta culposa, notadamente através da negligência.

Em que pese esta decisão favorecer o empregador, a cautela deve ser observada antes de se proceder com o desconto, cabendo uma análise prévia e isolada de cada caso, mesmo que esteja contratualmente prevista tal possibilidade e que se tenha observada a autorização expressa e o valor limite, pois a jurisprudência majoritária se inclina para a imputação do ônus da prova às empresas reclamadas, no sentido de comprovar em juízo que o empregado tenha agido com culpa ou dolo (intenção) para o furto, entendendo que a mera previsão contratual e autorização do desconto não têm o condão de conferir a responsabilidade objetiva ao empregado, sob pena de se transferir a este o risco do empreendimento, havendo inclusive decisões entendendo que o furto consiste em caso fortuito (imprevisível e alheio à vontade do empregado) e praticado por outrem, concluindo, assim, ausente o elemento subjetivo (culpa ou dolo) e, por conseguinte, que o desconto é indevido e deve ser devolvido pela empresa ao empregado.

FONTES:

– Consolidação das Leis do Trabalho
– Lei 10.820/2003
– Sentença: (TRT-10 – ATSum: 0000276-86.2021.5.10.0003, 3ª VT de Brasília/DF, Juiz: Francisco Luciano de Azevedo Frota; Data de publicação: 22/06/2021.)
– Acórdãos:
(TRT 21ª R.; ROPS 0000484-46.2018.5.21.0043; Primeira Turma; Rel. Des. José Barbosa Filho; DEJTRN 24/01/2019; Pág. 774);
(TRT-15 – ROT: 0010195-09.2017.5.15.0001, 8ª Câmara, Relator: Claudinei Zapata Marques, Data de Publicação: 10/03/2021);
(TRT 2ª R.; RO 1002077-16.2017.5.02.0057; Quinta Turma; Rel. Des. Jomar Luz de Vassimon Freitas; DEJTSP 30/05/2019; Pág. 19180).