Garantia da execução trabalhista x Recuperação Judicial
Flávio Roberto de França Santos – Advogado do Urbano Vitalino Advogados
As empresas que se encontram em recuperação judicial detêm isenção em relação à necessidade de prévia garantia do juízo trabalhista, para fins de interposição de recurso em fase de conhecimento, quando se está discutindo mérito da demanda, por força do § 10 do artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Tal previsão legal encontra conformidade na sistemática da legislação, tendo em vista que a lei de recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005 – que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária) – dispõe, em seu artigo 172, que consiste em crime, sujeito à pena de reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa, o ato de favorecimento de um ou mais credores em prejuízo dos demais antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial.
Há embates jurídicos, contudo, quando a decisão do juízo trabalhista que apreciou o mérito não liquidou os pedidos deferidos, isto é, quando o valor da condenação foi arbitrado, servindo apenas como base para o recolhimento do depósito recursal e das custas processuais, pois, nestes casos, após o trânsito em julgado, a última decisão que adentrou no mérito estará sujeita à liquidação, o que pode gerar a necessidade de se garantir previamente o juízo da execução, para fins de discussão acerca de eventual erro de cálculos de liquidação que acompanham a sentença homologatória do valor devido, através da oposição de embargos à execução.
Isto se dá em virtude do vácuo que o legislador deixou quanto à isenção das empresas que estão em recuperação judicial em relação à necessidade de efetuar o depósito judicial na execução, já que este consiste em requisito prévio à oposição de embargos à execução, considerando que o legislador apenas isentou a garantia em relação ao depósito recursal, nada se referindo no tocante ao depósito judicial – que é realizado quando o processo está em fase de execução.
O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (Pernambuco), em recente julgamento, no IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, entendeu que não se pode exigir da executada a garantia do juízo quando se trata de empresa em recuperação judicial, pois nesta circunstância, existe vedação quanto à oneração patrimonial do acervo empresarial, além da tipificação criminal quando há o favorecimento de determinado credor em relação aos demais, nada obstante o crédito trabalhista ser considerado preferencial em relação a outros créditos, de natureza comum, conforme a seguinte ementa:
“INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). UNIFORMIZAÇÃO DO TEMA “EMPRESA DEVEDORA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE DE GARANTIA DO JUÍZO”. A garantia do juízo, prevista no artigo 884 da CLT, não pode ser exigida das empresas em recuperação judicial, quando figurarem como devedoras em ações trabalhistas, uma vez que a Justiça do Trabalho somente é competente para o seu processamento “até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença” (artigo 6º, § 2º, da Lei nº 11.101/2005). Reforça esse entendimento o fato de que as executadas em recuperação judicial estão impedidas de dispor de recursos para garantir o juízo, à luz do artigo 172 da Lei nº 11.101/2005, de forma que a exigência do artigo 884 consolidado colide com as garantias constitucionais de acesso à Justiça, do contraditório e ampla defesa (artigo 5º, XXXV e LV, CF), bem como com o princípio da preservação da empresa (artigo 47 da Lei nº 11.101/2005). À hipótese incide, por analogia, a isenção que beneficia as empresas em recuperação judicial, prevista no § 10 do artigo 899 da CLT, assegurando-lhes a oportunidade de opor embargos à execução, consoante previsão do artigo 884, § 3º, do Texto Consolidado, bem como de interpor agravo de petição em decisões terminativas proferidas em fase de execução, garantindo-lhes o exercício da ampla defesa e do contraditório, sem se olvidar das disposições da Lei nº 11.101/2005. (TRT 6ª R.; IRDR 0000186-98.2021.5.06.0000; Tribunal Pleno; Relª Desª Virgínia Malta Canavarro; DOEPE 14/09/2021; Pág. 35)” – Destacamos.
Todavia, o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho Pernambucano não tem prevalecido em relação ao atualmente adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho (instância superior), que vem firmando tese no sentido de que a isenção da garantia do juízo pela empresa em recuperação judicial não se estende além da fase recursal, a exemplo do seguinte precedente:
“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE GARANTIA DO JUÍZO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. O entendimento que prevalece nesta Corte Superior é no sentido de que apenas na fase de conhecimento é aplicável o disposto no art. 899, § 1º, da CLT, uma vez que ainda se discute o mérito da controvérsia, não se aplicando os termos do referido dispositivo aos processos em fase de execução, na qual já houve condenação. No caso de execução, exige-se a garantia do juízo por meio de depósito do valor ou penhora de bens, bem como seguro garantia judicial com acréscimo de 30% do valor da execução (arts. 884, § 6º, da CLT e 835, § 2º, do CPC e OJ 59 da SBDI-2). Não estando garantido o juízo pelas modalidades indicadas, incumbe ao executado proceder ao recolhimento do depósito recursal no valor da execução e, não o fazendo, ocorre a deserção do recurso. Precedentes. Óbice da Súmula nº 333/TST. Agravo não provido. (TST; Ag-AIRR 0773400-42.2008.5.09.0004; Segunda Turma; Relª Min. Maria Helena Mallmann; DEJT 20/08/2021; Pág. 1370)” – Grifamos.
Desta forma, caberá à empresa que se enquadrar como executada e em recuperação judicial analisar o risco de não garantir o juízo trabalhista quando da eventual oposição de embargos à execução, considerando que, ainda que o Tribunal Regional do Trabalho respectivo entenda que existe isenção, tal decisão poderá ser modificada acaso seja submetida ao crivo do Tribunal Superior do Trabalho.
FONTES:
– Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei Nº 5.452/1943 – Com alteração da Lei nº 13.467, de 2017);
– Lei nº 11.101/2005;
– Acórdão: TRT 6ª R.; IRDR 0000186-98.2021.5.06.0000; Tribunal Pleno; Relª Desª Virgínia Malta Canavarro; DOEPE 14/09/2021; Pág. 35;
– Acórdão: TST; Ag-AIRR 0773400-42.2008.5.09.0004; Segunda Turma; Relª Min. Maria Helena Mallmann; DEJT 20/08/2021; Pág. 1370.