O protagonismo do STF continua em 2019
João Paulo Martinelli*
09 Janeiro 2019 | 15h28
Os últimos anos foram de grande protagonismo do STF, especialmente em questões que envolvem políticos. Desde o caso “mensalão”, a população brasileira passou a acompanhar as decisões da Suprema Corte e conhecer cada Ministro por nome e posicionamento. Em 2019 não será diferente. Especialmente em relação às questões criminais, o ano promete ser de grande agitação em nosso mais alto Tribunal.
Dentre os temas que serão objeto de julgamento no primeiro semestre, destacam-se três: a execução provisória da pena, a interceptação telefônica decretada de ofício pelo juiz e o crime de porte de drogas para uso próprio. Outros temas importantes serão discutidos pelo plenário e serão analisados em momento oportuno. Por enquanto, fiquemos restritos a três assuntos que despertam opiniões acaloradas dentro e fora dos tribunais.
A execução antecipada da pena, antes do trânsito em julgado, ganhou repercussão com a condenação em segunda instância do ex-presidente Lula. No entanto, duas ações que tratam do tema foram protocoladas no STF em maio de 2016, antes de o Ministério Público Federal ter oferecido denúncia. Diante da insistência em não pautar as ações, veio a condenação de Lula e um grande desvio nas atenções. As ações declaratórias de constitucionalidade, que já deveriam ter sido julgadas, não são direcionadas ao ex-presidente; são ações que dizem respeito a todo e qualquer condenado em segunda instância que ainda possua recursos pendentes nos tribunais superiores (STJ e STF).
O Supremo já se manifestou pela possibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado, desde que haja fundamento para tal. O STF, portanto, afirmou que a pena pode ser executada antes, não que deve ser executada. O início automático do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância é abuso de poder por parte dos tribunais, que preferem jogar para a plateia a fundamentar uma decisão que prive o sujeito de sua liberdade quando ainda é considerado inocente pela Constituição Federal. O princípio da presunção de inocência existe e deve ser respeitado, pois, para além de nossos documentos legais, encontra amparo nos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
Outro tema é a interceptação telefônica determinada pelo juiz sem ser provocado pela Polícia ou Ministério Público. Esta será uma oportunidade de o STF estabelecer que nosso sistema processual penal seja acusatório, com respeito ao devido processo legal. O juiz não pode produzir provas de ofício (sem ser provocado) porque não é parte interessada no processo. O magistrado preside o processo e as provas devem ser produzidas por quem tenha interesse na condenação do acusado. A proibição da produção de provas de ofício é medida correta para manter o mínimo de imparcialidade que se espera do julgador, já que o juiz deve se ater às provas produzidas pelas partes e, em caso de dúvidas, impõe-se a absolvição do réu.
O terceiro tema é o porte de drogas para uso próprio. Já há três votos favoráveis à inconstitucionalidade da criminalização do porte, restringindo-se à maconha, e o julgamento deve ser retomado em junho. O ponto principal a ser debatido é: usar droga é uma autolesão? Se a resposta for positiva, não poderá ser crime, pois ninguém pode ser punido por provocar lesões em si mesmo. Outro ponto fundamental é não confundir a descriminalização do porte de drogas com incentivo ao uso. Deixar de ser crime não é reconhecer benefícios na utilização de entorpecentes, mas apenas tratar o caso como problema de saúde pública, não um conflito criminal.
O grande desafio de nossos ministros é julgar conforme a melhor técnica jurídica, sem influências externas. O papel do Poder Judiciário – e por isso existem as garantias constitucionais – é julgar contra a corrente majoritária da sociedade quando necessário. Os aspectos meramente morais não podem ser decisivos nem o sentimento popular. A segurança jurídica é fundamental para que o sistema judicial brasileiro, enfim, entre nos trilhos para caminhar sem perigo.
*João Paulo Martinelli, advogado, doutor em direito pela USP e professor do IDP-SP