A operação lava jato como panaceia
Luiz Mário Guerra e Delmar Siqueira*
De toda efervescência criativa das ruas dos últimos dias, um grito de ordem ganha força: “a Lava Jato é Nossa!”. A Operação, deflagrada em março de 2014, ganhou o gosto popular. Sua temática apetitosa, somada a um sem número de prisões espetaculares, leva a população à sensação de estar vivendo numa espécie de reality show policial. Embora não seja crível concordar com os anseios da sociedade por linchamentos públicos, não é difícil entender o sentimento que afeta a população, mormente por toda crise ética e política por que atravessa o país.
Durante as fases do terror e do grande terror, na França do século XVIII, quando a sede de sangue enfim foi saciada, mais de 5 mil pessoas já haviam sido levadas à guilhotina, incluindo os próprios precursores da Revolução. Assim como o grande terror, a Lava Jato será registrada pela história como um fenômeno necessário à transformação social. Mas, a que custo?
Elevar a Operação ao status de entidade é ignorar que o seu produto final será, necessariamente, a soma de todas as partículas de trabalho de centenas de profissionais de investigação, acusação, defesa e julgamento. Todos eles falhos, porquanto humanos. A infalibilidade do Direito Penal constitui, pois, mera utopia. Vale lembrar que toda falha do Estado nesse terreno resulta necessariamente em crueldade contra o acusado. Afinal, a persecução penal, independentemente do seu desfecho, constitui uma pena em si.
Não por menos, o renomado jurista italiano Francesco Carnelutti cravou que “a absolvição do acusado é a falência do processo penal”. Isto porque, é este o momento em que o Estado reconhece ter arruinado a vida do acusado para, ao cabo do processo, declará-lo inocente, decreto que encerra irreparável incoerência para as finalidades de um Estado civil.
Não se pretende com este pequeno texto demonizar uma operação tão útil ao país. No entanto, é possível atestar que toda pluralidade ampla de acusados carrega, invariavelmente, um grupo de imputados que pagará a pena de responder a um processo penal simplesmente por estar no lugar ou na hora errada. Seria então o erro judiciário o inafastável preço da efetividade do Direito Penal? A resposta negativa se impõe, na medida em que a racionalidade e a qualidade da tutela jurisdicional definem a sua adequabilidade, bem como a sua utilidade para a sociedade. Se a Lava Lato, “é nossa”, muito mais nossa é a jurisdição estatal, serviço público que encerra uma das maiores conquistas resultantes dos processos democráticos nos últimos cinco mil anos.
A par disto, o Poder Judiciário já não consegue metabolizar processos de natureza vária, enquanto patrimônio, liberdade e vida se esvaem no curso de processos sem fim. Nem por isso são vistas manifestações populares pela melhoria da jurisdição estatal enquanto serviço público. Afinal, a Lava Jato, com a sua sedutora temática, ocupou todos os espaços e virou, enfim, uma espécie de vedete nacional.
Não se espere que a Operação venha a parir um Brasil menos desigual, tampouco curar todos os males que afetam o país. Todavia, conduzida pelos valores decorrentes do devido processo legal, sem vaidades ou exageros e norteada tão-somente por critérios de justiça e democracia, a Lava Jato poderá deixar um excelente legado paradigmático à jurisdição estatal. É o que, coerentemente, se pode esperar dela.
*Sócios do Urbano Vitalino Advogados