Coercitividade da execução trabalhista x Garantia Constitucional de Locomoção

Flávio Roberto de França Santos – Advogado do Urbano Vitalino Advogados

Um dos grandes entraves na Justiça do Trabalho consiste na efetivação das sentenças condenatórias, considerando que, não raras vezes, o trabalhador adquire o título executivo judicial, materializado na sentença ou decisão colegiada (acórdão), porém não consegue, efetivamente, satisfazer o seu crédito quando da execução dessas decisões.

Para tentar conferir efetividade às decisões que condenam os empregadores ao pagamento de créditos decorrentes da relação de trabalho, esta Justiça Especializada dispõe de vários mecanismos, conhecidos como sistemas eletrônicos que são disponibilizados aos juízes, como forma de garantir a efetividade das sentenças e acórdãos, a exemplo do SisbaJud, RenaJud, Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) e Infojud. Contudo, em determinados casos, nem mesmo através dessas ferramentas se consegue o pagamento do débito trabalhista.

Assim, em recente decisão, o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Taguatinga – DF, após desconsiderar a pessoa jurídica executada e tentar, sem êxito, atingir, o patrimônio dos seus sócios, proferiu despacho, de acordo com o permissivo legal contido no inciso V, do artigo 139 do Código de Processo Civil, determinando a suspensão do passaporte de um dos sócios executados, como tentativa de fazer cumprir a sentença que conferiu crédito ao trabalhador.

O sócio atingido com tal determinação, assim, ficou impossibilitado de exercer o seu direito de locomoção, já que possui atualmente residência e domicílio profissional no Reino Unido, de modo que impetrou habeas corpus perante o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, evocando a garantia constitucional de liberdade de “ir e vir”, com base no art. 5.º, LXVIII, da Constituição Federal.

Ao examinar o habeas corpus, o relator da Segunda Seção Especializada do Tribunal Regional do Trabalho da 10.ª Região concedeu liminar a fim de determinar que a Polícia Federal retirasse, imediatamente, qualquer restrição emanada do juízo da execução em relação ao passaporte do sócio executado. Tal decisão foi mantida, por unanimidade, quando os integrantes desta Segunda Seção Especializada apreciou o mérito da demanda, tendo prevalecido o entendimento do relator no sentido que a ausência de satisfação da execução trabalhista, “além de representar manifesto prejuízo a quem buscou o Poder Judiciário para solução de seu conflito, lança ao descrédito essa função estatal, cuja atividade norteia-se pela pacificação desses mesmos conflitos”, porém não “a medida extrema, produtora de restrição de liberdade, não pode ser adotada de forma ordinária e corriqueira”. Observe-se, a propósito, o conteúdo da ementa decorrente do acórdão que julgou o habeas corpus:

1. HABEAS CORPUS. MEDIDAS EXECUTÓRIAS ATÍPICAS. RESTRIÇÃO DO PASSAPORTE. O Código de Processo de Civil de 2015, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, conferiu ao magistrado instrumentos que objetivam viabilizar a efetividade da prestação jurisdicional, como consagrado pelo artigo 139, IV. Pelo texto legal em referência, o juiz, na direção do processo, poderá “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Todavia, a medida extrema, produtora de restrição de liberdade, não pode ser adotada de forma ordinária e corriqueira. Há que demandar fundamentação razoável, inclusive com possibilidade de contraditório, com demonstração de ocultação de bens ou outras fraudes justificadoras desse proceder. Além disso, a medida deve ser proporcional e adequada à finalidade a que se destina, no caso, a satisfação do título judicial. Na hipótese, a suspensão da utilização do passaporte inviabilizou o deslocamento do paciente ao país no qual atualmente reside, revelando-se excessiva, o que autoriza a concessão da ordem pretendida.

2. Habeas corpus admitido e concedida, em definitivo, a ordem deferida.” – Destacamos.

É de se notar, desta forma, que o poder de coerção inerente ao juízo da execução trabalhista não é absoluto, a ponto de transpor garantias consagradas na Constituição Federal Brasileira, a exemplo do direito de locomoção e a garantia ao contraditório, mesmo sob o amparo de satisfazer o crédito do trabalhador, de maneira que a razoabilidade deve estar em consonância com as medidas adotadas para satisfazer a execução.

FONTES:

– Código de Processo Civil
– Constituição Federal
– Acórdão: TRT 10ª R.; HCCiv 0000173-88.2021.5.10.0000; Segunda Seção Especializada; Rel. Des. José Ribamar Oliveira Lima Júnior; DEJTDF 28/09/2021; Pág. 157).